Sempre,
desde que eu me lembro como gente, a Blackwell
Enterprise manda em tudo. A empresa é a maior do nosso planeta, ela comanda
a distribuição de energia e água, internet, sinais de celulares, equipamentos
eletrônicos e todos os meios de comunicação. São os fabricantes de todos os
carros e naves que rodam pelo planeta, além da calçada eterna. Mas acima de
tudo, eles são donos do GEC – o Grupo Espacial Cosmonauta.
O
GEC nada mais é do que a maior organização do planeta. Eles tentam a todo custo
mandar uma nave tripulada para fora do planeta, descobrir os mistérios do
Universo, e, talvez, até descobrirem uma nova forma de vida além de nós, mas essas
tentativas nunca deram muito certo. As naves sempre estouram quando atravessam
a atmosfera. Claro que todas as naves nunca estavam tripuladas, porque já foram
muitas tentativas e com isso, os Blackwell já teriam exterminado toda a
população do planeta.
Eles
trabalham com esse negócio há muitos anos, esse é o ar que a família Blackwell
respira desde que Aristo, o fundador de tudo, criou algo chamado ‘energia’. Na
verdade ele não a criou, ele simplesmente conseguiu, como poderei dizer? Manipulá-la e produzi-la em série à partir de
algo que ele batizou de ‘motor’.
Acho
que cada um tem um sonho, e o sonho de Aristo era mudar o nosso mundo.
Eu
não sei definir energia, não sei o que é um raio ou como eles se formam, mas
sou esperto suficiente para não ficar embaixo de uma árvore durante uma
tempestade com raios que riscam o céu com sua fúria. Talvez, mais esperto do
que entender um raio, seja respeitar a sua grandeza e força diante de nós. Mas
Aristo, com o seu absurdo conhecimento e controle dessa indefinível e
inexplicável criação, conseguiu isso, mudou o nosso mundo. Em 20 anos passamos
de: “A luz de velas” para: “Os energizados”. Eu não passei por esse período de
transição e evolução da tecnologia, quando nasci já existia tudo disponível.
Mas meus pais me contam o que meus avôs contaram para eles e o que em parte
viveram na infância também.
Não
demorou muito para que tudo o que temos hoje passasse a existir. Começou com a
lanterna, a capacidade de levar a luz para todos os lugares, depois o rádio e a
aptidão de se comunicar à distância. Então as casas foram todas ‘energizadas’,
ganhamos luz, iluminação nas ruas. Surgiram carros, em mais alguns anos, vieram
as naves, TVs e água encanada. Os Blackwell mandaram satélites para fora da
órbita do Planeta e tudo deslanchou. Nos tornamos uma nova espécie de seres
humanos, mais desenvolvidos, mais inteligentes. Só os melhores conseguem entrar
na Blackwell Enterprise e trabalhar na área administrativa e de criação. Eles
sempre criam um novo desafio interno e
tentam resolvê-lo.
Foi
então que a maior dúvida surgiu: “De onde viemos?” Todos queriam a resposta, e
os Blackwell prometeram respondê-la. Aristo sabia que a resposta para todas as
perguntas está por ai, do lado de fora, esperando para ser encontrada. Então
ele disse que precisávamos saber se estávamos sozinhos, se não existiam outros
mundos além do nosso. Foi então que a primeira nave espacial surgiu, com o
propósito de levar o homem para fora do planeta e encontrar tais respostas. Mas
como disse, as naves estouravam quando passavam pela atmosfera. “A massa delas é muito maior do que a massa
de um satélite, por isso estouram”. Essa era a explicação de Aristo. Mas
essas explosões só aconteceram até a semana passada, quando finalmente uma nave
rompeu essa barreira invisível e azul chamada céu.
Aristo
já está morto há 150 anos e não pôde ver o progresso que seu bisneto, Richard
Blackwell fez. O único herdeiro do maior império do mundo realizou o sonho do
homem mais genial que esse planeta teve a honra de conceber. 170 anos após a
dúvida “De onde viemos?” ser lançada, parece que é a primeira vez que ficamos
mais próximos da resposta. Eu até me corrigiria e ao invés da palavra
‘resposta’ usaria a palavra ‘verdade’.
Acho
que os sonhos movem o mundo, e eu desejo que o meu sonho possa fazer a
diferença.
Terminei
de ler o meu texto proposto para a aula do dia, com o tema sendo a noticia dada
ontem, em todos os jornais: que os Blackwell tinham conseguido levar uma nave
para fora do planeta, sem fazê-la ficar em pedacinhos e em chamas. A nave não
estava tripulada, é claro, mas pretendiam fazer isso em breve e as inscrições
para os possíveis tripulantes/voluntários estavam abertas.
Esse
não era apenas o tema da minha redação, ninguém falava de outra coisa no mundo
todo. Quando acabei de ler o meu texto, meu professor me olhou com uma
expressão confusa, um misto de espanto e orgulho. Mas ao invés de me elogiar ou
criticar, ele simplesmente preferiu perguntar:
—
E qual é o seu sonho, Calisto? — Ele se referia à última frase do meu texto.
Eu
respondi sem nem ao menos precisar digerir a pergunta:
—
O meu sonho — Fingi um suspense. — Meu sonho é ser um dos tripulantes dessa
nave.
R.S.Boning.