quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Fico feliz por estar estudando Filosofia.

   Quem me conhece sabe que desde pirralho o meu sonhe é estudar cinema, fazer cinema, escrever roteiros, contar histórias, fazer arte, emocionar as pessoas. Já ouvi muitos: "você vai morrer de fome", "no Brasil não tem mercado pra cinema", "você vai ter que sair do país". Eu sempre levei isso na boa, minha ambição não é de ficar rico fazendo filme, minha ambição é de ser feliz fazendo o que eu gosto, ser realizado naquilo que eu sei que vou acordar segunda de manhã animado pra fazer. E eu tenho a consciência tranquila de que, quando se faz o que se gosta você faz bem feito e quando se faz bem feito, você tem notoriedade e notoriedade abre portas pra quem antes só via paredes. Eu não sou positivo demais, eu só sei que, seja o que for que eu tenha à fazer, eu vou dar o meu melhor, eu vou fazer como se estivesse fazendo pra mim, porque sou exigente e de mim eu não aceito menos do que o meu melhor.

~Então porque você ainda não está estudando cinema, ou, pelo menos, 
fazendo um curso de roteiro se esse é o seu sonho?~

   Eu quase comecei, faltava apenas uma prova, mas minha mãe ficou doente, ela não podia ficar sozinha e eu decidi que eu deveria cuidar dela. (Não estou me vitimizando ou colocando a culpa nessa situação. Eu desisti do curso consciente, sabendo que sou novo, que tenho toda uma vida pela frente e que muitas outras oportunidades viriam). Decidi que para não ficar parado estudaria à distância, um curso que eu gosto muito, que é filosofia. Mas, de qualquer forma, faria a prova que faltava para o curso de cinema, só para ver qual seria meu resultado. Então pedi conta do trabalho, sai da cidade e voltei para roça. Mas infelizmente minha mãe faleceu. (No dia em que eu iria fazer a prova, só me dei conta disso dias depois).

     Bem, eu já havia pedido conta do trabalho, tinha preparado a mudança, ganhado uma bolsa no curso de filosofia e perdido a prova do curso de cinema. Então decidi me manter na roça mesmo, pois as provas para o curso de cinema só voltariam daqui um ano. Eu decidi que iria terminar o curso de filosofia e então tentar cinema novamente. Nos meus planos futuros cogitei até a ideia de lecionar a disciplina, algo antes impensável para mim. Quando iniciei filosofia eu já sabia que minha vocação não era (e não é) ser professor. Não estou desmerecendo a profissão, só não é o MEU sonho. Tanto que, pretendia fazer Bacharelado em filosofia e não Licenciatura, não estava nos meus planos me tornar um professor de filosofia, mas sim um filósofo (não que um educador não seja um filósofo). Mas ao invés de me aprofundar nas áreas pedagógicas que a licenciatura me levava, preferiria me aprofundar ainda mais na filosofia e isso o bacharelado poderia me proporcionar. Pois bem, estou cursando filosofia à distancia, já estou no final do quarto período e com isso os meus planos de retornar para a cidade e estudar cinema se tornam cada vez mais fortes. E foi fazendo planos que cogitei a possibilidade de dar aula de filosofia. Ensinar o que estava aprendendo não me parecia má ideia, na verdade, me parecia indispensável.

      Lembro como surgiu minha paixão por filosofia. Eu sempre fui um garoto muito ingênuo, acreditava em tudo que via, em tudo o que me contavam ou em tudo que eu lia. Eu estava no segundo ano do Ensino Médio e até então achava filosofia um tédio completamente dispensável, me dava sono e o lema dessa disciplina pra mim era (literalmente) : "Só sei, que nada sei". Um dia, os professores de história, geografia, filosofia e sociologia, resolveram unir forças e montar uma atividade em conjunto, um trabalho para os alunos, propuseram temas e a função dos alunos era englobar todas as disciplinas nesse tema proposto. Lembro que o meu tema foi holocausto na segunda guerra mundial. Eu adorava esse tema e tirei de letra, fiz videos e slides dos judeus sendo mortos, falei sobre os ataques nazistas, câmaras de gás, campos de concentração, fiz quase todo mundo chorar.

Fim

Eu pensei.

 E foi nesse momento que aconteceu algo que me fez amar filosofia. Não foi o professor de filosofia que me questionou, foi o professor de história. Na maior frieza, enquanto os outros professores me elogiavam, ele me perguntou: "E o outro lado?" Eu fiquei sem entender "como assim o outro lado?"; "Essa é a versão dos judeus" ele me disse, "Onde está a versão dos nazistas? Eles contam uma história diferente dessa que nos apresentou. Você precisa me mostrar isso e eu decido em qual versão eu acredito." Eu fiquei sem reação, só consegui dizer: "Mas isso é uma teoria de conspiração, não é?" E ele voltou a dizer: "Seja o que for, é a versão do outro lado, é a resposta, o direito de defesa. Você não pode beneficiar um lado só porque acredita nesse lado, você deve ser imparcial, me apresentar as versões da mesma história e eu decido quem está certo na minha opinião. Suponhamos que Carlos e Lucas se odeiam e eles brigaram. Rebeca é amiga de Carlos e Alice é amiga de Lucas. E Carlos e Lucas brigaram. Eu não vi a briga e nem você. Então eu me aproximo de Carlos e pergunto: “Quem começou a briga?” E querendo se defender de uma punição, Carlos responde: “Foi o Lucas quem começou”. Mas então eu dou a chance de Lucas se defender e pergunto: “Lucas, quem começou a briga?” E querendo se defender Lucas responde: “Foi o Carlos quem começou”. Então eu fico sem entender. Em quem eu posso confiar? Então eu vou até as testemunhas, as meninas que viram a briga e pergunto: “Rebeca, quem começou a briga?” E tentando defender o amigo Carlos, rebeca responde: “Foi o Lucas quem começou”. Mas eu preciso ouvir a outra testemunha, e pergunto: “Alice, quem começou a briga?” E tentando defender o amigo Lucas, Alice responde: “Foi o Carlos quem começou”. O que aprendemos com essa historinha? Que não existe verdade, não existe conhecimento! Quem começou a briga? Saberia me responder?” 

Meu professor me deixou apresentar a versão nazista sobre o holocausto na aula seguinte e desde então eu deixei de ser o garoto ingênuo que acreditava em uma cena bonita com um som de piano ao fundo e passei a questionar tudo, a buscar mais fontes, a ouvir o outro lado, o direito de resposta, a pesquisar, a estudar. Foi um professor de história com uma alma profundamente filosófica que abriu meus olhos e me fez ser um “amigo da sabedoria”.

Hoje leio a noticia de que essa disciplina irá se extinguir dos currículos escolares do Ensino Médio. Então eu fiz como meu professor me ensinou: Busquei o outro lado, o direito de resposta, mas não encontrei. Eu entendo essa vontade de "tentar" seguir o modelo americano, onde o aluno estuda somente aquilo que servirá de base para o que de fato pretende se profissionalizar, sem gastar tempo em disciplinas que não serão utilizadas em seu trabalho. Mas acontece que a filosofia é um direito universal, as noções de moral e ética ficarão a cargo de quem? Das religiões? Em um Estado "que se diz" Laico? Os questionamentos fundamentais da vida só surgirão em uma possível crise existencial do aluno? Isso não será estimulado pelo professor? A filosofia abriu caminhos para todas as outras ciências, foi lá, nos pequenos questionamentos do dia-à-dia que brotaram a matemática, a física, a biologia. O garoto ingênuo de anos atrás retornou a mim por um momento e me perguntou: "não seria mais uma teoria de conspiração?". Se essa é uma teoria de conspiração, é uma das melhores já feita, ou melhor, das piores já feita. Tirar a filosofia do Ensino Médio, é como criar alunos do nível ingênuo que eu era antes de conhecer a filosofia de verdade. E isso é bom para o governo. Eles vão criar uma massa alienada, que não questiona, que aceita tudo e que trabalha sem reclamar. Robôs de um sistema, que estudam não para entenderem sua função no mundo, mas sim, somente aquilo que seja suficiente para serem controlados e moldados como ótimos servos zumbis.

Eu dou graças por estar estudando filosofia, pois eu sei que agora, mais do que nunca, é minha obrigação transmitir meus conhecimentos ao máximo de pessoas possíveis. Vou poder ensinar aos meus filhos algo que, talvez, no futuro eles não aprendam na escola mais. É uma responsabilidade social. Sozinho eu não tenho força alguma, nós, como educadores temos a missão de passar à frente tudo que aprendemos, abrir a mente dos jovens, para que a filosofia não morra no Brasil, como um dia já aconteceu...

R.S.Boning

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